– Você não tem falado muito.
– É, eu sei.
– Você quer falar agora?
– Acho que não…
– Sei lá, você anda tão calada, o que há?
– Você já sentiu uma sensação no seu peito, uma sensação que aperta e desce para o estômago e revira teu intestino?
Ela olhava através da janela, o céu cinzento mostrando sinais do entardecer e os sons noturnos preenchendo a noite.
Ele ficou calado, olhando, não havia o que dizer, aquelas sensações ele nunca havia sentido, mas não queria quebrar aquela linha de telados.
– Às vezes, é tão forte que eu vômito ou defeco horas afim.
Ela continuou olhando, mexia os dedos, colocava na boca, mexia as pernas, balançava os pés.
– E é tão forte, mas tão forte que eu choro querendo que tudo vá embora.
É como se meu peito fosse uma fossa.
E sabe o que acontece quando há um vazio? Quando há o nada? Tudo pode preencher esse espaço, ele engole estrelas como um buraco negro, ele destrói tudo o que suga, é sem fim. E nesses momentos eu me sinto letárgica, para não ficar com o nada dentro de mim, porque quando há o nada eu pisco e nos meus olhos correm sangue, eu vejo os cortes nos braços, nas pernas, no pescoço. Eu vejo o sangue correndo livre através da pele, através das roupas.
Ele a olhava assombrado, mas apenas olhava, não deixaria nada transparecer os pensamentos sombrios que lhe preenchia a mente.
– Nesses momentos eu sinto um cântico profundo, um cântico secreto que me chama e diz que tudo pode acabar, que tudo isso pode ser transformado em nada e eu nunca mais vou sentir nada, apenas nada.
As lágrimas quentes desciam soltas atravéz da pele, corriam soltas pela blusa, deixando o nariz ranhento, deixando um espasmo no peito.
Ela começou a vibrar o peito, nesses lapsos que vem através do choro, e depois o corpo treme e há um som rasgado na garganta como se as cordas vocais estivessem sendo puxadas e apertadas.
– Está tudo bem, está tudo bem.
Ele a abraçou, estava tão assombrado.
– Você precisa de ajuda, você precisa de ajuda médica.
– Não existe mais ajuda para essa doença, porque não existe mais essa doença.
– Existe, eu estou vendo na minha frente.
– Mas não existe mais tratamento, o tratamento que existe me fará um ser débil, não quero isso.
– Eu vou te ajudar.
– Não acho que alguém possa me ajudar.
– Você esta letárgica agora?
– Não, agora eu estou vazia.
– O que você faz quando fica vazia?
– Eu durmo.
– Funciona?
– Momentaneamente.
Ela estava encolhida num canto do sofá, incapaz de olhar nos olhos dele, e ele a olhava com dor, sem saber o que fazer. Se sentia impotente, amarrado, não sabia o que fazer.
– Durma então, eu vou te ajudar, enquanto você dorme eu vou procurar ajuda.
– Será você capaz?
– Não sei, mas até que eu consiga achar não te deixarei sozinha.
Ela o olhou, limpou os olhos e sorriu, algo pequeno e sem brilho.
– Você tem medo de que eu sucumba ao cântico?
– Tenho medo de que você sucumba ao sangue.
– E não é a mesma coisa?
Ele sorriu, afagou os cabelos dela
– Apenas semântica. Agora durma, eu vou estar aqui quando você acordar.
– Talvez eu queria ficar sozinha.
– Você sabe como acaba com um buraco negro?
– Não
Agora a voz era apenas um sussurro
– Dando tempo a eles e então BUM! Eles somem
Ela sorriu enquanto o sono a levava embora num embalo suave, e foi nesse momento, o momento da certeza que ela já não estava ali que ele chorou.